terça-feira, 2 de outubro de 2012

O limite das Patentes - Por que é preciso inovar na própria Lei


Criadas para incentivar a inovação, elas se tornaram um campo de batalhas bilionárias no setor de tecnologia. A disputa entre Apple e Samsung mostra que é preciso inovar na própria lei
Marcelo Osakabe e Marcelo Moura - Revista Época 
A empresa coreana de tecnologia Samsung foi condenada a pagar à americana Apple, no dia 25 de agosto, a maior indenização por infração de patentes da história: US$ 1,052 bilhão. A corte de San José, na Califórnia, Estados Unidos, julgou que aparelhos da Samsung se apropriam de seis invenções registradas pela Apple. Ainda cabe apelação. Um dia antes, um tribunal de Seul, na Coreia do Sul, impediu a Apple, acusada de violar patentes da Samsung, de vender iPads e iPhones no país. As brigas judiciais nos Estados Unidos e na Coreia são apenas duas, em mais de 50, travadas atualmente pelas duas empresas em ao menos dez países. Líderes dos segmentos de tablets e celulares, elas disputam um mercado avaliado em US$ 240 bilhões. Gastar alguns milhões em ações judiciais, para barrar a concorrência, se tornou uma onda crescente no setor de tecnologia da informação. De acordo com a consultoria Price WaterhouseCoopers, o número de decisões judiciais envolvendo patentes cresceu 383%, entre os períodos de 1995 a 2000 e de 2006 a 2010, enquanto litígios nas demais atividades cresceram a metade.

"É normal haver disputas em torno de inovações fundamentais", disse a ÉPOCA Francis Gurry, presidente da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi). "Isso ocorreu com a indústria química no final do século XIX." O crescimento das disputas judiciais envolvendo patentes no mercado de tecnologia é, porém, sintoma de transformações recentes. No fim dos anos 1980, a briga digital se dava em torno do software. Expressão original numa linguagem padronizada, o software não é protegido por meio de patentes, mas pelo direito autoral, como os livros. É uma proteção forte, que não exige registro e dura até 70 anos (leia o quadro na página 74). As maiores disputas se davam, então, em cima de acusações de cópia ou pirataria. Um exemplo: no final dos anos 1980, a Apple acusou a Microsoft de piratear, no Windows, a interface gráfica dos computadores Lisa e Macintosh e perdeu. Outro: na mesma época, a Microsoft acusou a brasileira Prológica de piratear seu sistema MS-DOS e venceu. Foram decisões que tiveram efeitos profundos sobre as perdedoras. A Prológica sumiu do mapa. A Apple só se reergueu mais de dez anos depois, quando o fundador, Steve Jobs, voltou à empresa e protagonizou uma onda de inovações com iMac, iPod, iPhone e iPad. Tais produtos redesenharam o panorama do consumo digital, e, em agosto, a Apple se tornou a empresa mais valiosa da história. Por integrar hardware, software e a prestação de serviços, eles só podem ser protegidos por meio de patentes, mecanismo mais fraco que o direito autoral -uma patente dura 20 anos e exige registro público. Como consequência, as maiores batalhas jurídicas do mundo digital hoje se dão em torno das patentes. A disputa entre Apple e Samsung é um exemplo disso.

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Patentes de tecnologia oferecem pouco ou nenhum valor além de se defender dos concorrentes

99 Richard Posner, juiz do Tribunal de Apelações de Chicago (EUA)

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Os fundamentos das leis de patentes foram estabelecidos em 1474 em Veneza. O inventor deveria registrar uma descrição detalhada de sua criação. Em troca, o Estado protegeria o monopólio da exploração comercial do invento por tempo determinado. Era uma forma de conciliar o interesse do público por novos inventos baratos a incentivos para o inventor. Desde então, os objetivos das patentes pouco mudaram. O prazo de exploração comercial exclusiva deve ser longo o bastante para o inventor pagar suas pesquisas, com um lucro que compense o risco. Depois, outras empresas podem aprimorar o invento e reduzir preços. Patentes favorecem o inventor e, ao mesmo tempo, o bem comum.

No veloz e cambiante mundo digital, porém, não faltam críticos delas. O mais eloquente tem sido o juiz Richard Posner, da Corte de Apelações em Chicago, nos Estados Unidos. Ele afirma que a atual guerra de patentes se tornou um desperdício de tempo e dinheiro. Posner arquivou em junho um processo em que a Apple acusava a Motorola de violar suas patentes. Segundo ele, não estava claro se a Motorola imitara nem se a Apple perdera algo com a eventual imitação. "Patentes de tecnologia frequentemente oferecem pouco ou nenhum valor além de se defender dos concorrentes", afirmou Posner. "Servem para uma empresa impor custos e outros fardos processuais a suas adversárias." Os críticos das patentes no mundo digital apontam os seguintes problemas:

Depois de 20 anos, quando acaba o monopólio de exploração, a invenção em geral está obsoleta. Segundo eles, o tempo de proteção é excessivo e subestima a capacidade da indústria de recuperar seus investimentos. O custo de desenvolvimento de produtos digitais costuma ser pago em menos de cinco anos. E uma situação diferente da enfrentada pelo setor farmacêutico, que leva dez anos nos testes e nas certificações de um medicamento antes de poder vendê-lo.

Num mundo de inovações voláteis, os critérios para conceder registro a uma patente são difusos e mal aplicados. Um exemplo: em 2009, a Amazon conseguiu patentear não um produto ou processo, mas uma ideia: o One Click, forma de comprar com um único clique, quando os dados do cliente já estão cadastrados. Ideias, contudo, não deveriam ser passíveis de registro. As leis de propriedade intelectual protegem apenas suas expressões.

Outra constatação: o mesmo invento pode ser patenteado por duas empresas - ou então inovações desimportantes e variações da mesma ideia. Em 2005, a Apple registrou a forma de destravar o aparelho deslizando o dedo sobre a tela. Desde 2002, a rival sueca Neonode detinha patente semelhante. Segundo a consultoria M-Cam, 30% das patentes nos Estados Unidos são redundantes.

Os críticos constatam, enfim, que os tribunais tomam decisões diferentes para questões iguais, apesar de as leis de propriedade intelectual serem uniformes e regidas por tratados internacionais. A Samsung processou a Apple por copiar uma tecnologia de transmissão sem fio. Na Europa, perdeu. Na Coreia, venceu.

"O sistema de patentes falha em seus próprios termos", afirmam o doutor em Direito Michael J. Meurer e o professor de economia James Bessen, no livro Patent failure: how judges, bureaucrats and lawyers put innovators at risk (numa tradução livre, Erro patente: como juízes, burocratas e advogados põem os inovadores em risco). "Inúmeras patentes com limites incertos são concedidas", afirma Bessen."São abstratas, triviais e possivelmente invalidas." Ele diz que, no setor de tecnologia, o custo de registrar, renovar e defender uma patente supera o lucro de sua exploração comercial. A recuperação do gasto com patentes é, portanto, buscada não no mercado, mas na Justiça. O extremo da judicialização é conhecido como "troll de patentes"- empresa cuja atividade é comprar registros e processar fabricantes. Um dos principais trolls, a Intellectual Ventures, detém 35 mil registros. Bessen diz que os processos movidos por trolls custaram aos EUA, em 2011, US$ 29 bilhões. A quantia equivale a 10% do investimento do país em pesquisa e desenvolvimento.

Os mais radicais defendem a extinção do sistema de patentes para a indústria digital. É o caso dos professores de Direito Intelectual Kal Raustiala e Chris Springman. Eles afirmam que o mercado é capaz de reconhecer e privilegiar, por si só, as empresas inovadoras. No livro The knockoff economy: how imitation sparks innovation (algo como A economia das cópias: como imitação desperta inovação ), contam casos como o fundo de investimentos Vanguard Group, criado em 1976. O Vanguard foi pioneiro em oferecer investimentos por setor da economia. Rivais copiaram a estratégia. Até hoje, o Vanguard é o líder do mercado.

Derrubar as patentes é, contudo, uma ideia utópica e descabida, sem apoio entre as empresas de tecnologia. Para o juiz Posner, existem iniciativas mais simples para evitar a guerra de patentes. Invenções essenciais poderiam ser liberadas compulsoriamente, mediante pagamento de licença ao inventor. Bastaria, também, desapropriar as patentes sem uso para evitar a ação dos trolls. De todo modo, como o setor requer inovação constante, sempre será preciso recompensar aqueles que investem em pesquisa. Se as leis atuais geram proteções custosas ou ineficazes, talvez seja preciso recorrer ao exemplo dos venezianos do século XV que, diante de uma era de transformações sem precedentes como o Renascimento, foram capazes de inovar e criar uma forma de incentivo aos inventores que perdura há séculos. -

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A batalha da Califórnia na guerra das patentes

A Apple acusou a Samsung de infringir sete patentes e foi acusada de copiar outras cinco. A Justiça da Califórnia decidiu pela inocência da Apple e pela culpa da Samsung condenada a pagar US$ 1.052 bilhão a rival. Abaixo o veredicto para cada acusação

A APPLE COPIOU?

Racionamento

Sistema de gestão de tarefas para economizar carga

da bateria

NÃO COPIOU

Atalho na foto

Atalho para mudar da câmera para a galeria de imagens, num toque

Não copiou

Envio de fotos

Deslizar o dedo para os lados para tirar fotos e enviar por e-mail

NÃO COPIOU

Multitarefas

Ações como tocar música continuam enquanto a tela mostra outra tarefa

NÃO COPIOU

transmissão

Sistema de compactação e transmissão remota de arquivos

NÃO COPIOU

A SAMSUNG COPIOU?

Ícones

Os ícones quadrados de cantos arredondados

COPIOU

Visual

Tela emoldurada por um retângulo de bordas arredondadas

COPIOU

Gesto de pinça

Abrir dois dedos, encostados na tela, para ampliar a imagem

COPIOU

um toque

Ampliar imagens ao tocar na tela com um dedo, uma vez

COPIOU

Efeito elástico

No fim de uma, rolagem, a página vai além de seu limite e volta

COPIOU

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