quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

“É crucial estarmos vigilantes” Entrevista com o hacker Aaron Swartz



Por Tatiana de Mello Dias - http://blogs.estadao.com.br
Publicamos a íntegra da entrevista que o hacker Aaron Swartz, morto na sexta-feira, deu ao ‘Link’ em 2012
SÃO PAULO – “A maneira como empresas controlam sutilmente as alavancas da democracia é uma das coisas mais importantes e assustadoras que estão acontecendo hoje”, escreveu Aaron Swartz ao Linkem 2012. Ele respondeu por e-mail uma entrevista que daria origem à reportagem de capa que narrou sua trajetória e deu os detalhes do processo.
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Swartz cometeu suicídio última sexta-feira, aos 26 anos. Garoto-prodígio da computação, ele fez seu primeiro trabalho relevante (colaborou no desenvolvimento do RSS) aos 13 anos. Foi co-autor de uma série de projetos bem-sucedidos para a web – como o Reddit, a parte tecnológica das licenças Creative Commons e o Web.py, e também era também defensor ativo da liberdade da internet. Ele respondia a um processo e poderia pegar mais de 30 anos de prisão por ter baixado 4 milhões de trabalhos acadêmicos da biblioteca online JSTOR, a fim de disponibilizá-los online. As perguntas sobre o caso jurídico não foram respondidas, mas todas as outras sim. Abaixo, a entrevista inédita na íntegra.
Como você aprendeu a programar? 
Eu tentei vários tipos de coisas diferentes, mas as principais lições que eu aprendi foram de um curso de um dia dado por Philip Greenspun (pioneiro no desenvolvimento de redes sociais) no Massachusetts Institute of Technology MIT).

Como você conheceu Tim Berners-Lee (o criador da World Wide Web)
Eu encontrei ele pela primeira vez em um encontro do grupo de padrões que ele fundou, o W3C. Era uma sessão sobre o padrão RDF e ele estava sentado quieto em um canto, digitando em seu laptop, aparentemente sem prestar nenhuma atenção. Mas então, no final da fala de alguém, ele levantou a mão e fez uma pergunta que foi direto ao coração de qualquer coisa que tivesse sido apresentada. Foi realmente impressionante. Nós trabalhamos juntos na visão dele de web semântica; eu aprendi e me diverti muito.

Qual foi o seu papel na criação do RSS 1.0?
Eu entrei para o grupo de trabalho para criá-lo muito cedo e, como eu tinha mais tempo livre do que a maioria dos outros membros (ele tinha 13 anos), eu rapidamente mergulhei e comecei a fazer muito do trabalho. Logo eu me tornei um membro oficial e, então, eu acabei fazendo muito da atual forma da especificação.

FOTO: Reprodução/Mashable

Você também trabalhou com Lawrence Lessig, que rasgou vários elogios para você. Como foi o trabalho com ele? 
Eu li uma reportagem em um jornal sobre a ideia de Creative Commons, quando ela ainda estava sendo pensada, e escrevi para Lessig para encorajá-lo a usar a tecnologia RDF que eu estava desenvolvendo com o Tim Berners-Lee. Ele respondeu dizendo que aquela era uma ótima ideia, e que eu deveria implementá-la. Então eu entrei cedo na arquitetura do sistema de metadados deles, mas também ajudei um pouco com a programação.

O que você aprendeu com ele? 
Eu aprendi muito. A maneira como ele aconselha e encoraja as pessoas é bem inspiradora, assim como o estilo único dele se comunicar, e o foco intenso em problemas importantes.

Nos últimos anos, nós vimos várias leis duras antipirataria surgirem no mundo. Leis como a SOPA/PIPA nos EUA, e a Hadopi na França. Você acha que a indústria está aumentando a pressão sobre os governos? 
Sim, a indústria está colocando uma pressão intensa nos governos em todo o mundo. O mundo está mudando rapidamente, e eles provavelmente veem isso como uma última chance de tentar manter a sua maneira antiga de fazer as coisas.

Quais são as maiores dificuldades em relação ao acesso à informação hoje?
(não respondeu)

O que mudou na sua vida desde que você foi acusado?
(não respondeu)

Você acha que é um bode expiatório?
(não respondeu)

Alguns pensadores dizem que a internet está chegando a um ponto crucial, em que é preciso definir se quem ditará as regras serão os governos, as empresas que dominam os serviços ou as pessoas. Você concorda com isso? Há a necessidade de se estabelecer regras para o funcionamento da internet? 
Eu não acho que a necessidade de se criar ‘regras para a web’. Eu acho que há uma luta agora, em que várias grandes instituições, como Google, Facebook e governos, estão tentando aumentar os seus poderes para controlarem mais a internet – e eu acho que isso é muito perigoso, e é por isso que eu estou animado ao ver que as pessoas estão trabalhando juntas para prevenir isso.

O que você achou do Free Internet Act, do Reddit? 
Eu não li os detalhes, mas eu acho que é uma boa ideia e o processo público e aberto de redação é inspirador.

Por que você criou a Demand Progress? Como ela funciona?
Eu estava frustrado com a maneira como parecia não haver nenhum grupo político importante nos EUA que combinava um lobby cuidadoso em Washington com um grande ativismo online. Eu achei que combinando os dois, poderíamos realizar coisas incríveis.

E como vocês poderiam fazer lobby de uma maneira mais efetiva? Você acha que o setor de tecnologia está mal representado no Congresso americano? 
Eu acho que nós poderíamos ser mais eficientes se tivéssemos mais recursos. A indústria de entretenimento gasta quantias ridículas de dinheiro fazendo lobby, enquanto nós somos extremamente limitados. Como resultado, eles podem espalhar mentiras sobre a gente e a tecnologia, e é bem difícil para nós corrigi-los.

Swartz e Lawrence Lessig. FOTO: Arquivo Pessoal 
Você baixou 441 mil artigos jurídicos para determinar a origem do financiamento deles. Qual é a importância de hacks desse tipo para a democracia?
Eu não usaria esse termo. Esse foi um projeto de pesquisa que eu fiz para ajudar a mostrar a influência de grandes corporações em especialistas da academia supostamente independentes. Eu acho que a maneira como as empresas usam o seu dinheiro para controlar sutilmente as alavancas da democracia é uma das coisas mais importantes e assustadoras que estão acontecendo hoje. E eu acho que fornecer evidências claras sobre os detalhes é importante e útil ao informar o público sobre o que está acontecendo.

Se todos pudessem escrever software, você acha que a democracia seria fortalecida?
Eu acho que a tecnologia se torna mais e mais uma parte chave das nossas vidas. Garantir que todos tenham um entendimento básico sobre como programar os tornará pessoas mais eficientes e tomadores de decisão mais informados. Neste momento há um monte de pessoas que não entendem como a tecnologia funciona, então eles acham que podem magicamente parar as coisas ruins. Se eles programasse, poderiam ter sugestões mais razoáveis.

Você acha que a comunidade da tecnologia está se tornando mais politizada? 
Sim, definitivamente. E a batalha contra a Sopa foi a principal razão. A indústria da tecnologia como nós conhecemos hoje repousa sobre alguns pedaços finos de legislação, introduzida por membros mais prudentes do Congresso. Mas elas podem mudar a qualquer momento – então é crucial estarmos vigilantes.

Como é a sua rotina de trabalho?
Eu acordo bem cedo e tento pensar e escrever um pouco antes de usar o computador. Então eu olho meu e-mail e respondo coisas que chegaram de madrugada. Eu passo a maior parte do dia falando com pessoas e trabalhando em vários pequenos projetos, e à noite eu tento ler um livro.

Você já teve algum tipo de problema por causa da sua idade? 
As pessoas têm sido surpreendentemente tolerantes com isso, o que é encantador. Mas há definitivamente algumas provocações.

Na sua carreira, você desenvolveu padrões que se tornaram parte da web que usamos hoje. Quais são, para você, as principais tendências para os próximos anos?
A maior é provavelmente uma coisa de bastidores, que é o fato da linguagem de programação JavaScript estar se tornando realmente muito boa. Isso significa que sites se tornarão mais rápidos e interativos e mais e mais coisas poderão ser feitas dentro do seu próprio browser, em vez de ter que voltar a um servidor para cada nova página todas as vezes que você clica em um link.

Quais são seus próximos projetos? Você está escrevendo um livro?
Eu tive de deixar o projeto de livro de lado para focar em alguns projetos políticos, mas nenhum deles eu posso anunciar ainda.

Você já veio ao Brasil?
Sim, eu visitei o Rio de Janeiro e Belém para o Carnaval e o Fórum Social Mundial. É um país maravilhoso e inspirador – eu espero voltar logo.