domingo, 27 de fevereiro de 2011

Conheça a maior biblioteca digital do Brasil

Com seu acervo exclusivamente composto de textos completos e itens digitais integrais como sons e imagens, a Biblioteca Digital da Central de Cursos da Universidade Gama Filho ultrapassou a marca de um milhão de itens neste início de fevereiro de 2011, e torna-se a maior Biblioteca Digital do Brasil.

Como referência para esta marca, podemos citar a BDTD - Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, mantida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e baseada no mesmo conceito de compartilhamento de arquivos abertos, que segundo seu site possui um acervo de 152.546 itens de textos completos produzidos pelas universidades brasileiras.
Outra referência é a Biblioteca Domínio Público, mantida pelo Ministério da Educação, que disponibiliza para a população um total de 186.740 itens digitais integrais segundo seu site.

A Biblioteca Digital da Central de Cursos da Universidade Gama Filho é um serviço de extensão universitária que disponibiliza gratuitamente para a população a totalidade dos acervos digitais de texto completo de bibliotecas de 1.435 universidades, artigos de 48 mil periódicos científicos, além dos bancos de dados de centros de pesquisa, bibliotecas nacionais e órgãos governamentais de 62 países, através da participação no consórcio internacional OAI - Open Archives Initiative, o maior compartilhamento de informação científica da história.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Curso online preparatório para o ENEM, gratuito


Uma plataforma de ensino pela internet, que usa infográficos, animações e vídeos para ajudar os estudantes a se prepararem para o ENEM. Assim é o Envest, uma criação de Gian Zelada, de 44 anos, que foi colocada no ar no início de Outubro de 2010. Direcionado à jovens das classes C e D, o negócio deve faturar 1,5 milhão em 2011. "As aulas são ao vivo", afirma Zelada. "Dessa maneira, épossível tirar dúvidas, rever conteúdos e comparar o desempenho com o de concorrentes. No futuro, os alunos vão poder escolher o professor que querem para determinada aula."
O serviço é gratuito: a receita vem de empresas que patrocinam os cursos, em troca de publicidade o site.


Fonte: Revista Pequenas Empresas Grandes Negócios

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Creative Commons: um bem coletivo. Entrevista especial com Sérgio Amadeu


A licença Creative Commons está em consonância com a lógica de interação da internet, pois permite que “o autor tenha uma licença juridicamente consistente, sem que seja preciso contratar um advogado. Isso facilita, regulariza as situações, dá segurança jurídica para o compartilhamento”, defende Sérgio Amadeu, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone. Diferentemente da lei de direitos autorais, o Creative Commons “pensa claramente na importância de direitos reservados ao autor” e garante que as “obras sejam divulgadas, distribuídas, recombinadas, e deem origem a novas criações”, explica.

Na entrevista a seguir, o defensor e divulgador do Software Livre e da inclusão digital no Brasil critica a postura da Ministra da Cultura, Ana de Hollanda, que retirou o Creative Commons do sítio do ministério. Segundo o pesquisador, a iniciativa está na contramão da trajetória histórica do Ministério das Relações Exteriores em defesa da flexibilização das legislações de propriedade intelectual. “Aqueles que propuseram indicação da ministra Ana de Hollanda esqueceram de perguntar o que ela achava sobre uma das principais áreas de projeção do Brasil no mundo na gestão do presidente Lula: a área de cultura”, ironiza.

Amadeu ressalta que a resistência a licenças Creative Commons está diretamente relacionada à indústria da intermediação, que, antes do fenômeno da internet, detinha os direitos autorais de diversas produções. E dispara: “Esses aparatos de intermediação, no mundo digital, passaram a ser desnecessários. A intermediação mudou de local, foi para própria rede. Então, em função desse novo contexto, é necessário fazer acertos na lei, a qual está longe de estar presente na proposta de reforma que foi feita pela sociedade civil.”
Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Sérgio Amadeu participou da implementação dos Telecentros na América Latina e da criação do Comitê de Implementação de Software Livre (CISL). Também foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) da Casa Civil da Presidência da República e atualmente é professor na Universidade Federal do ABC (UFABC). É autor de, entre outros, Software Livre: a luta pela liberdade do conhecimento; Exclusão digital: a miséria na era da informação (São Paulo: Perseu Abramo, 2001); e Comunicação Digital e a Construção dos Commons: Redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o senhor avalia, a partir dos primeiros movimentos deste governo, a política de compartilhamento do governo Dilma?

Sergio Amadeu – O governo Dilma tomou uma atitude bastante interessante a partir do Ministério do Planejamento, publicando uma diretiva do software público que garante o uso das licenças do software livre e priorizando-o dentro do governo. No mesmo dia, a ministra Ana de Hollanda manda tirar a licença Creative Commons do sítio do Ministério da Cultura, demonstrando-se contra a política de compartilhamento do governo Lula, continuada pela presidente Dilma. A ministra Ana de Hollanda não percebe que o próprio blog da Presidência da República, lançado pelo ex-presidente Lula, continua com esta licença e tudo indica que seu uso vai se ampliar dentro do governo.

IHU On-Line – Por quais razões o senhor imagina que ela retirou a licença Creative Commons do sítio do Ministério da Cultura?

Sergio Amadeu – Ana de Hollanda quer promover um retrocesso no que se refere ao compartilhamento, às redes digitais, à ideia de colaboração. Ela é ligada ao grupo do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), que quer manter a lei de copyright do jeito que está, ou seja, não quer rever os abusos e os absurdos da lei.
Aqueles que propuseram indicação da ministra Ana de Hollanda esqueceram de perguntar o que ela achava sobre uma das principais áreas de projeção do Brasil no mundo na gestão do presidente Lula: a área de cultura. Ela quer realizar essa inversão de política no caso da cultura. Se vai conseguir, não sei, mas ela representa um retrocesso dentro de um quadro mais geral em que o governo avança e outras áreas, defendendo o compartilhamento. Certamente o Ministério da Justiça vai mandar proposta de marco civil pela internet, que garantirá a não criminalização dos jovens, pelo menos na regulamentação da internet, que participam de redes P2P (“Peer-to-Peer”). Entretanto, na contramão está o Ministério da Cultura. Então, percebo uma contradição no governo.

IHU On-Line – Como o senhor acha que a iniciativa da ministra irá repercutir no governo? Pode alterar as medidas já adotadas no que se refere à licença Creative Commons?

Sergio Amadeu – O governo vai ter de decidir quem tem razão: se é a ministra Ana de Hollanda ou aqueles que defendem, dentro do governo, a política implantada pelo ex-presidente Lula. Em algum momento isso vai ter de ser resolvido, não sei quando, mas certamente haverá de se ter um acerto na política do governo
O Ministério das Relações Exteriores tem uma trajetória histórica em defesa da flexibilização das legislações de propriedade intelectual. Quer dizer, esta luta não é uma iniciativa dos ativistas. O Ministério das Relações Exteriores tem defendido, no caso das patentes, a subordinação do interesse social e a defesa da vida. No caso da polêmica dos fármacos, dos remédios da AIDS, no caso da propriedade intelectual, por exemplo, nós, ativistas, não concordamos, resistimos muito no final da rodada do Uruguai a tratar temas relativos à propriedade intelectual no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Ou seja, o Brasil tem uma política de defender a criatividade e nós sabemos que para que se possa continuar com a inventividade, a criatividade, temos que ampliar a flexibilização desses bloqueios ao livre fluxo de conhecimento e de bens culturais, porque a base do conhecimento e a base da cultura é o próprio conhecimento e a cultura.

IHU On-Line – Neste caso a presidente não poderia ter feito uma intervenção, ter conversado com a ministra, como fez, por exemplo, com o Chefe da Segurança Institucional, general José Elito Siqueira, em outro momento?

Sergio Amadeu – Ela terá de fazer isso em algum momento, ou então ela vai, vamos dizer assim, mudar a própria política do ex-presidente Lula. Entretanto, os sinais dados são de continuidade dessa política de compartilhamento, de defesa das possibilidades de criação, da liberdade dos fluxos informacionais. Como o Ministério da Cultura foi o último a ter a sua direção indicada e como a presidente Dilma teve de enfrentar uma série de dificuldades para a composição das comissões no Congresso Nacional, acredito que não teve condições de se debruçar sobre esse tema. Teremos de aguardar para ver se a ministra irá parar só nesse ato simbólico ou se vai, de fato, continuar defendendo os interesses do ECAD.

IHU On-Line – O que o fato de o Ministério da Cultura ter tirado o selo de licença Creative Commons do seu sítio significa?

Sergio Amadeu – Essa atitude cria uma insegurança jurídica, uma dificuldade para poder continuar compartilhando, mas o maior fato é simbólico. Ana de Hollanda deu um sinal para todo mundo, dizendo: “Aqui não me vem com isso, eu mudei a política”. A consequência é principalmente política.

IHU On-Line – O que Ana de Holanda representa para o Ministério da Cultura do Brasil?

Sergio Amadeu – Não sei. Não a conhecia. Tanto é que, quando fizeram um texto a respeito dos riscos que representaria a nomeação dela, comentei que não a conhecia e iria esperar para avaliar.
Fiquei preocupado com essa ação de retirar o selo; é um sinal que ela mandou de retrocesso. Agora, se ela vai representar isso ou não, os fatos vão dizer. A questão é saber até onde ela vai com essa postura dela. De qualquer modo, ela representa um retrocesso e nada de novo na política cultural brasileira. Nada de novo, essa é a questão.

IHU On-Line – Como você avalia a lei dos direitos autorais no Brasil?

Sergio Amadeu – A lei do direito autoral é arcaica, extremamente dura no sentido de ser uma das mais ruins do planeta. Ela criminaliza fotocópia (xerox), por exemplo; ela mudou a lei que tinha antes, retirando o direito da cópia privada, claramente substituindo por uma ideia absurda de pequenos trechos, que nunca se sabe o que é.
Existem vários pequenos acertos a serem feitos, os quais permitem que ela se torne mais moderna, compatível com o mundo atual, e que reconheça o direito à pessoa, ao uso justo, ao uso privado de uma cópia para fins pessoais.
Outro aspecto importante a ser mudado – mas que penso que não conseguiremos alterar – é o prazo de duração de uma obra sorteada pelo copyright. O argumento da lei do direito de autor é de que a garantia de proteção serve para incentivar o criador. Entretanto, repare que a lei tem sido alterada, sendo estendido o prazo de proteção de uma obra que era de 14 anos, para 28, chegando ao ponto de uma obra só poder cair em domínio público depois de 95 anos após a morte do autor. No caso do Brasil, 70 anos após a morte do autor. Repare que a lei vem sendo alterada e o fundamento dela desapareceu, porque se o fundamento é incentivar a criação e o criador, não tem sentido proteger depois de sua morte.
Como diria Machado de Assis, não há nenhum sentido, a não ser a proteção dos interesses dos intermediários que detém a obra por contrato. A pessoa que fez um contrato passa a ser o dono da obra.
Essas alterações na lei servem muito mais para garantir a indústria da intermediação, do que para assegurar o direito do criador. Esses aparatos de intermediação, no mundo digital, passaram a ser desnecessários. A intermediação mudou de local, foi para própria rede. Então, em função desse novo contexto, é necessário fazer acertos na lei, que está longe de estar presente na proposta de reforma que foi feita pela sociedade civil.

IHU On-Line – Então a lei não é adequada para a internet?

Sergio Amadeu – Na verdade, a internet se expandiu e criou, ao seu redor e dentro dela, uma cultura digital, uma cibercultura. Uma das características importantes da cibercultura é a possibilidade de recombinação e de reconfiguração dos objetos digitais. Exatamente por causa da internet, as legislações de direito autoral do mundo todo, estão tentando bloquear as possibilidades criativas que a internet abriu. O que a internet fez foi desmistificar a criação. Ela separou efetivamente o conteúdo do seu suporte: um vídeo, uma película, a imagem e o texto do papel, tudo isso está liberado na rede.
Esse processo intenso de digitalização está preocupando a indústria da intermediação, que vivia do controle das criações a partir das dificuldades de compartilhar suporte. Agora, as criações estão digitalizadas, podem ser mixadas, recombinadas e distribuídas com muita facilidade. O mundo da escassez, que justificaria os altos preços de determinadas produções, não tem sentido na rede. Ela mudou muito as possibilidades criativas para melhor, só que como que a indústria da intermediação reage, ela faz uma conta completamente absurda e equivocada, ela diz assim: “Se as pessoas estão ouvindo mais música, muito mais música do que antes, como os nossos lucros não aumentaram com essa intensificação?” Então, eles pensam que estão perdendo bilhões. Entretanto, repare que a maioria dos jovens só baixou aquela música porque ela estava disponível gratuitamente. Segundo, os internautas nunca ouvem a maior parte das músicas que baixam; eles ouvem um trecho e nunca mais voltam a essa música. Se as pessoas tivessem que pagar pelas músicas, elas não as baixariam.
O mundo digital está acenando para a possibilidade de acessarmos uma diversidade inimaginável de conteúdos. Existe uma oferta de músicas e de bandas à disposição das pessoas, algo que não existia há alguns anos. Isto faz com que aquela grande indústria fonográfica tenha efetivamente a concorrência de milhares de músicas que estão na rede. Essa concorrência, portanto, essa diversidade cultural tem tomado a audiência de cantores e bandas lançados por gravadoras. Essa é a realidade.

IHU On-Line – Podemos dizer que a licença Creative Commons, da forma como está se desenvolvendo e sendo utilizada, gera uma cultura da economia do conhecimento?

Sergio Amadeu – Não. Penso que gera uma cultura do compartilhamento, uma cultura que pensa claramente na importância de direitos reservados ao autor, mas que garantam que determinada obra possa ser divulgada, distribuída, recombinada, e de origem a novas criações. É o reconhecimento de que a base da cultura é a própria cultura, que é um bem coletivo: isso é licença Creative Commons. Ela permite que o autor tenha uma licença juridicamente consistente, sem que seja preciso contratar um advogado. Isso facilita, regulariza as situações, dá segurança jurídica para o compartilhamento. É muito importante a licença Criative Commons.
Algumas pessoas argumentam que a ministra Ana de Hollanda retirou o símbolo da Creative Commons porque ele pertence a uma organização norte-americana e nós devemos defender o nacionalismo. Fizeram uma confusão propositada e equivocada do nacionalismo com uma licença de compartilhamento.
Se você entrar agora no sítio da rede Al Jazeera, que de norte-americana não tem nada, verá que eles disponibilizam seus conteúdos com Creative Commons. Isso, para mim, basta. O argumento anterior é usado pelo ECAD.

IHU On-Line – Qual é o impacto econômico que teremos com a flexibilização dos direitos autorais?

Sergio Amadeu – O impacto econômico é, primeiro, fortalecer novas criações, ou seja, redistribuir mais os recursos da riqueza da cultura, garantir o surgimento de modelos de negócios compatíveis às redes digitais. Teremos muito a ganhar consolidando o modelo de compartilhamento.

IHU On-Line – Na realidade atual brasileira, qual a função do ECAD?

Sergio Amadeu – O ECAD é uma entidade opaca, sem transparência, baseada no modelo industrial, no controle dos canais de acesso aos bens culturais. O mercado não quer saber da licença Creative Commons; ele quer cobrar tudo, porque ele já é uma estrutura que tem vida própria, que não tem nada a ver com a criação. Ele montou sua burocracia e a burocracia quer sobreviver; ela sobrevive na intransparência. Essa é a realidade. O ECAD vai a festinhas de aniversário cobrar as músicas que são tocadas. É ridícula a situação. Precisamos de uma estrutura de distribuição da renda, da disseminação ou da veiculação de bens culturais que seja adequada, transparente. Deveríamos ter outra estrutura, efetivamente transparente na distribuição dos frutos da criação, nos frutos econômicos da criação.

IHU On-Line – O Brasil "invadiu" o Orkut e é o país onde o Facebook mais cresceu na América Latina, além de ser um dos principais atuantes no Twitter. Como o senhor vê nosso país no cenário da comunicação digital no mundo?

Sergio Amadeu – O Brasil é um país que tem uma cultura tradicional, popular muito afeita ao relacionamento. Por isso que a presença brasileira nas redes sociais é muito grande. O brasileiro também tem uma cultura muito criativa, que durante muito tempo foi entendida como negativa – chamada, inclusive, de cultura da gambiarra. Mas, se for analisar, toda a criação importante no mundo digital é uma grande gambiarra, é uma recombinação, é uma solução para enfrentar um problema com os códigos que estão à disposição.
A cultura popular brasileira é muito próxima do que vem a ser ou do que são os traços mais importantes da cibercultura. O Brasil um país que mal começou a usufruir das redes.
O que falta ainda para o Brasil é dar um salto no sentido de aplicações massivas, aplicações que partam daqui e sejam implantadas pelos outros países. A dificuldade brasileira é a língua inglesa, que domina a rede.
Acredito que, na presença da nossa cultura, a digitalização das nossas práticas culturais, dos movimentos culturais, vai encantar cada vez mais o planeta e vai ampliar a diversidade cultural que temos no país. O Brasil tem um campo muito aberto no mundo digital e, insisto, ele mal começou.

IHU On-Line – Na sua avaliação, quais devem ser as prioridades do Ministério da Cultura?

Sergio Amadeu – Continuar a política administrada pelo ex-ministro Gilberto Gil, aplicar mais recursos e projetos digitais. Criar incentivos não só ao cinema, mas à digitalização, à indústria de games. Deveria se ampliar muito fortemente o uso de softwares culturais livres por parte dos movimentos, dos pontos de cultura.
Outra prioridade seria colocar mais recursos nos pontos de cultura, abrir mais editais de projetos com incentivo à produção do que existe no país. É preciso entender como nós podemos usar mais tecnologias abertas, colocar mais tecnologias livres à disposição dos produtores e criadores culturais do país.
 

Fonte: Unisinos

sábado, 12 de fevereiro de 2011

A Descoberta da Escrita, de Ignácio de Loyola Brandão - Um conto contra a censura


Tentava escrever e eles surgiam, levando todo o material. Confiscavam e sumiam. Sem satisfações, mas também sem recriminações. Não diziam nada, olhavam e recolhiam o que estava sobre a mesa.
Tentou mudar de casa, não adiantou. Eles chegavam apenas a caneta tocava o papel. Como se aquele toque tivesse a capacidade de emitir um sinal, perceptível somente por eles, como o infra-som para um cachorro. Levaram todos os papéis. E quando ele tentou comprar, as papelarias não venderam sem a requisição oficial. Nenhum tipo de papel, nada. Caderno, cada criança tinha direito a cotas estabelecidas. Desvio de cadernos era punido com degredo perpétuo. Rondou as padarias e descobriu que o pão era embrulhado em plásticos finos, transparentes. E quando quis comprar um jornal, viu que as margens não eram brancas, vazias. Agora, havia nelas um chapado preto, para impedir que se escrevesse ali. Uma noite, altas horas, escreveu nas paredes. E pela manhã descobriu que eles tinham vindo e caiado sobre o escrito. Escreveu novamente. Caiaram, outra vez. Na terceira, derrubaram as paredes. Ele procurava caixas, aproveitar as áreas internas. Eles tinham pensado nisso, antes. As partes internas eram cheias de desenhos, ou com tintas escuras sobre as quais era impossível gravar alguma coisa. Experimentou panos brancos, algodão cru, cores leves como o amarelo, o azul claro. Eles também tinham pensado. As tintas manchavam o pano, borravam, as letras se confundiam.
Eles não proibiam, prendiam ou censuravam. Pacientemente, vigiavam. Controlavam. Dia a dia, minuto, segundos. Impediam que ele escrevesse. Sem dizer nada, simplesmente tomando: objetos, lápis, canetas, cotos de carvão, pincéis, estiletes de madeira, o que ele inventasse.
Dois, cinco, doze anos se passaram. Ele experimentou fabricar papel, clandestinamente, em porões e barracos escondidos no campo. Eles descobriram, arrebentavam as máquinas, destruíam as matérias-primas.
Ele tentou tudo: vidros, madeira, borracha, metais. Percebia, com o passar do tempo, que eles não eram os mesmos. Iam mudando, se revezando. Constantes, sempre incansáveis, silenciosos.
Deixou o tempo correr. Fez que tinha desistido. Só pensava, escrevia dentro da própria cabeça tudo o que tinha. Esperou dois anos, cinco, doze. Quando achou que tinha sido esquecido, colocou o material num carro.
Tomou estradas para o norte, regiões menos povoadas. Cruzou pantanais, sertões, desertos, montanhas. Calor, frio, umidade. Encontrou uma planície imensa, a perder de vista. Onde só havia pedras. Ficou ali. Com martelo e cinzel, começou a escrever. Gravando bem fundo nas pedras imensas os sinais. Ali podia trabalhar, sem parar.
E o cinzel formava, lentamente, as, bês, cês, dês, pês. Traços. Palavras, desenhos.

do livro O Homem do Furo na Mão e outras histórias

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Compare preços de ebooks Kindle, iBooks e Nook com Leatherbound



O site Leatherbound permite a comparação de preços de livros digitais disponibilizados pelas principais lojas: Amazon Kindle, Apple iBooks e Barnes & Noble Nook.
Esta ferramenta tem grafismo simples, eficaz e é gratuita.


sábado, 5 de fevereiro de 2011

Retrocesso no Ministério da Cultura: Defesa do direito autoral com duração perpétua

A quase certa nomeação do advogado Hildebrando Pontes Neto para chefiar o setor de direito autoral do MinC sinaliza um retrocesso sem tamanho no debate sobre o assunto no Brasil. A entrevista concedida à TV Rede Minas confirma o que já se temia.


Por Chico Gomes
[03 de fevereiro de 2011 - 10h16]
A quase certa nomeação do advogado Hildebrando Pontes Neto para chefiar o setor de direito autoral do MinC sinaliza um retrocesso sem tamanho no debate sobre o assunto no Brasil. A entrevista concedida à TV Rede Minas confirma o que já se temia. Sabe-se que ele tem uma procuração com plenos poderes dada pelo ECAD (está numa ata de assembléia dessa entidade). Até aí, tudo bem, mais de uma centena de advogados também a tem. É um profissional do ramo como tantos outros. Mas a defesa que ele faz daquela entidade em centenas de processos nos diversos tribunais (verificável numa simples busca online no TJ-MG e no STJ) não é só formal. O problema é que ele partilha da mesma visão retrógrada daquele escritório.
 
Não que ele seja um estranho ao tema, muito pelo contrário. Foi presidente do antigo CNDA-Conselho Nacional de Direito Autoral e trabalhou para o escritório de direitos autorais da Biblioteca Nacional. O problema é que o senhor Hildebrando faz parte de um grupo de especialistas que parou no tempo.  Até o início dos anos 1990 as polêmicas doutrinárias que envolviam o direito autoral eram poucas e relativamente mornas.  Olhando os livros publicados entre 1950 e 1990, vemos que as coisas ditas eram mais ou menos as mesmas. Os distintos pontos de vista eram praticamente congruentes, apenas com ligeiras diferenças de abordagem.  Só depois da revolução trazida pelo ambiente digital é que as coisas mudaram. Alguns, não percebendo a radical e rápida mudança nas práticas sociais, se apegaram a alguns princípios do direito autoral que elevaram a condição de verdadeiros dogmas. Outros, conscientes de que o direito é uma construção histórica, que se adapta aos costumes da sociedade, partiram para o desafio que se colocou: o árduo trabalho de reflexão e produção intelectual, buscando novas alternativas. Mas o Dr. Hildebrando não faz parte desse grupo. Muito pelo contrário.
 
Chega-se facilmente a essa conclusão ao ver o que ele disse ao final da entrevista, que sintetiza toda uma concepção anacrônica (e assustadora!).  Para ele, simplesmente não deveria existir o domínio público. O direito autoral deveria durar pra sempre. Um pensamento que ainda resiste em algumas mentes, mas que é considerado superado desde o século 19. Triste situação.
 
Ao longo da entrevista o advogado, com uma incrível desfaçatez, passa por cima de questões cruciais. Até admite que seu principal cliente – o ECAD - pode ter problemas, mas nem de longe sinaliza a necessidade de uma supervisão externa, tal qual existe em qualquer país civilizado. E ainda minimiza as queixas recorrentes de inúmeros compositores. Mais adiante, diz que os autores e artistas de obras audiovisuais tem os mesmos direitos que os da música, quando essa classe de criadores é uma das que mais demandam por mudanças que viabilizem a sua gestão coletiva de direitos. Mas é compreensível a posição deste senhor. Afinal, dar essa possibilidade aos criadores do audiovisual pode ameaçar a arrecadação do ECAD. Tudo pela defesa de seu cliente.
 
Outra coisa intrigante é a naturalidade com que afirmou que a Lei não permite que um professor use uma obra audiovisual numa atividade escolar. Minimizou a questão, dizendo que em atividades que não visam lucro não há interesse na cobrança. Um comentário, no mínimo, intelectualmente desonesto. A entidade que ele defende aterroriza as escolas que ousam fazer festas juninas sem pedir autorização e pagar. Há vários casos de escolas processadas, algumas talvez até com ações instruídas por ele. Um belo projeto de lei do Senador Cristóvão Buarque, que obriga a exibição de filmes nacionais como recurso pedagógico, pode estar condenado ao limbo. E nem dá nem pra cogitar uma possível benevolência do ECAD (que planeja cobrar até dos táxis num futuro próximo, por conta do rádio que é disponibilizado aos passageiros).
 
Este senhor repete uma outra cantilena que muito se tem ouvido dos que administram o ECAD: que o movimento “cultura livre” está aí para atender aos interesses de grandes corporações estrangeiras de telefonia que buscam faturar em cima de conteúdos livres de pagamentos. Ele escreveu um livro batendo nessa tecla. O discurso nacionalista quase convence. Pena que a seguir faz uma tolerante defesa dos contratos leoninos que as gravadoras e editoras musicais oferecem para os compositores. Diz que é justo que elas recuperem seus investimentos. Mas essa corporações que dominam o mercado da músicas, majoritariamente estrangeiras, não o incomodam nem um pouquinho. Aí o nacionalismo radical desaparece. Talvez seja pelo fato delas terem um grande peso na administração das principais associações controladoras do ECAD. Quem quer perder um cliente bom desses, não é mesmo?
 
Enfim, a entrevista desnuda uma visão obtusa que desvia o foco de um debate que interessa: como remunerar o autor no ambiente digital. Tem um monte de gente boa refletindo sobre isso. Mas dele não se ouviu nem uma palavra consistente a respeito. Talvez porque o ECAD já está partindo pra essa cobrança, mesmo sem ter essa atribuição claramente expressa na lei.  Mais uma vez, tudo pra agradar o bom cliente.
 
Não por outro motivo que os dirigentes da associações que dirigem o ECAD vinham trabalhando o nome desse senhor para uma eventual vitória do candidato José Serra. Por uma daquelas ironias da vida, perderam, mas ganharam…
 
Pra finalizar, cabe mais um breve comentário. Na referida entrevista, o Dr. Hildebrando adotou uma postura controlada e tranquila. Quem o conhece de debates públicos, sabe de seu estilo raivoso e agressivo, não há de se enganar. Vem chumbo grosso por aí.
 
A ministra da cultura dá assim um baita bofetada na cara de boa parte do movimento social que apoiou a eleição da presidenta Dilma Roussef. A única coisa que se pode depreender disso é que a Cultura continua a ser algo secundário nas políticas públicas do governo. Logo, os erros lá são de baixo custo político, coisa fácil de assimilar. Cabe a sociedade provar o contrário.
 

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Ativista da internet quer comprar um satélite artificial

Kosta Grammatis parece estar levando mesmo a sério sua defesa de uma internet para todos.
Certo de que o acesso à rede mundial é um "direito humano básico", o ativista quer nada menos do que comprar um satélite artificial, para levar conteúdo para quem precisar, e de graça.
A revista New Scientist fez uma entrevista com Grammatis.
Você quer comprar um satélite de comunicações que está em órbita ao redor da Terra. Por quê?
Para levar o acesso à internet para milhões de pessoas que não podem, atualmente, se conectar.
Como comprar um satélite pode ajudar quando bilhões de pessoas que não têm telefones ou computadores para acessar a internet?
O custo da computação continua a diminuir substancialmente. Na Índia, por exemplo, eles estão lançando o laptop de US$ 12.
Algumas pessoas nos países em desenvolvimento gastam metade do seu rendimento em telefones celulares por causa do valor que as telecomunicações agregam às suas vidas.
Se o acesso à internet fosse livre, as pessoas iriam encontrar uma maneira de obter equipamentos para usá-la.
Você tem um satélite em particular em mente?
Nossa organização, a ahumanright.org, por enquanto está pensando em reciclar um satélite já existente.
Em 2009, ficamos sabendo que a empresa TerreStar estava sendo retirada da bolsa de valores NASDAQ. Na época eles possuíam o maior satélite de comunicações já lançado.
Nós pensamos que seria uma oportunidade única, se eles declarassem falência, comprar o satélite deles.
Quando a empresa entrou com o pedido de concordata, em outubro do ano passado, lançamos a buythissatellite.org para viralizar a iniciativa.
Onde está o satélite agora? Ele não teria de ser movido?
O TerreStar-1 está atualmente na longitude da América do Norte. Se o comprarmos vamos levá-lo para [cobrir] um país que careça de acesso à internet e usá-lo para fornecer acesso lá.
Todo satélite tem propulsores que permitem que ele seja movido.
Quais são os principais desafios para a compra do satélite?
São financeiros.
A iniciativa "Compre este Satélite" tem uma meta de levantar US$ 150.000.
Isso não vai comprar o satélite, mas vai iniciar o processo. Os recursos serão utilizados para um estudo de viabilidade a ser entregue a investidores e para iniciar o processo legal de apresentar uma proposta para a compra do satélite.
Até agora, nós levantamos US$30.957, de 570 doadores. A resposta tem sido incrível. [Na última visita ao site o valor estava em $34.532,00, de 611 doadores.]
Por que você argumenta que o acesso à internet é um direito humano?
No momento, a internet é o principal meio de acesso à informação.

Ativista da internet quer comprar um satélite artificial
    Este é o satélite, visto aqui antes do lançamento, que os ativistas desejam comprar.[Imagem: TerreStar]












O Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que todos têm o direito de "ter opiniões sem interferência e de procurar, receber e difundir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras".
Todos nós conhecemos o ditado "Você pode dar um peixe a um homem ..." Se você der a alguém a internet, e ensiná-lo a usá-la, ele poderá aprender qualquer coisa que quiser.
O acesso à educação, à saúde e à água potável não é mais importante?
O acesso à internet, e às informações que ela detém, facilita a educação, a saúde e o acesso à água potável.
A tele-educação ajuda as crianças a aprender em zonas rurais, a telemedicina permite aos médicos tratarem os doentes de qualquer lugar do mundo, e projetos online como o charitywater.org ajudam as pessoas a obterem acesso à água potável.