quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O conceito de Transmídia avança na literatura


Imagine um livro em que a história transpõe as suas páginas e expande para vários outros meios de comunicação, como TV, internet, rádio, telefone, etc. Imagine que a narrativa é construída de forma a ser acompanhada, simultaneamente, em outras mídias, que servem de suporte ao argumento central, ou a outras subnarrativas que se desenvolvem em planos paralelos. Pense nisso. Um romance cuja narrativa está espalhada por diferentes mídias, e que se completam fazendo com que o leitor acompanhe o enredo, ora lendo mais sobre um personagem num site, ora conhecendo detalhes sobre outro através do twitter, ou vendo no YouTube a “rua em que se passa o crime”, por exemplo. Isso é mais do que multimídia, é Transmedia Storytelling, ou somente transmídia, um formato que vem a galope não só na literatura, mas em quase toda a indústria de entretenimento. Não se trata de contar a mesma história em diferentes mídias, mas utilizá-las para complementar a história.

O escritor espanhol Fernando Marías lança hoje a obra juvenil “El silencio se mueve” (sem data para publicação no Brasil), um livro que já apresenta as primeiras ideias sobre a utilização da transmídia na literatura. A variada temática da obra de Marías, que inclui a relação entre pais e filhos, a morte, a memória histórica, pode ser acompanhada através de várias mídias. O leitor utiliza, além do livro, o site de Juan Pertierra, o protagonista da obra, mostrando como ele aprendeu com seu pai a escutar o silêncio, o que faz com que pessoas como Liza, uma mãe preocupada com o silêncio de sua filha, o chamem em busca de ajuda. A transmídia de Marías conta também com um blog do ilustrador Javier Olivares que investiga sobre a enigmática figura do ilustrador Joaquín Pertierra, pai do protagonista.

O número do telefone de Juan Pertierra também é fornecido. Quando o leitor liga, ele é convidado a visitar seu website para conhecer mais sobre seu dom, podendo deixar uma mensagem ao protagonista. O livro possui ainda, internamente, uma história em quadrinhos sobre a vida de Juan (40 páginas) e um guia de cinema para fornecer dicas sobre a história central. Embora a narrativa seja bem centrada no meio físico, as demais mídias complementam a história ajudando o leitor a desvendar os mistérios do protagonista. Como disse Fernando Marías ao jornal El Mundo: “…o romance pode ser lido e entendido sem um computador, pois a essência da história está no livro impresso, sendo o resto um bônus para enriquecer a narrativa”.  
As narrativas transmidiáticas devem ser encaradas como uma nova e grande oportunidade, pois utilizam tentáculos que se expandem por vários meios de comunicação de massa. No passado, pensava-se que um meio destruiria o outro, ou competiriam de forma canibalesca. Ledo engano, eles vão se completar cada vez mais, criando interligações narrativas que utilizarão desde o meio físico (o livro em si), passando por mídias em franca transformação, como a TV, até chegar ao imenso arsenal derivado da Internet. Como explicou Henry Jenkins, professor do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e autor da obra Cultura da Convergência (2009): “Uma história transmidiática desdobra-se através de múltiplas plataformas de mídia. Cada novo texto faz uma contribuição diferente e que valoriza o todo – de modo que uma história pode ser introduzida em filme, expandida através da televisão, livros e histórias em quadrinhos. (…) A leitura através de várias mídias sustenta uma perspectiva de experiências que motivam mais o consumo.” A convergência tecnológica e a transmídia serão utilizadas pelo cinema, pela TV (recentemente, a personagem Luciana da novela Viver a Vida, utilizou em cena um blog real, cujo acesso pelos expectadores foi um grande sucesso), em narrativas publicitárias e, claro, na literatura.
O romance de Fernando Marías, a primeira obra transmídia publicada na Espanha, explora o relacionamento entre mãe e filha, que envolve os mortos sem sepultura da guerra civil espanhola. Justamente essa parte da narrativa (que não é secundária no livro) se conecta a outros romances de Marías que tratam do tema (Cielo abajo e “Zara y el librero de Bagdad”). As diversas tramas paralelas funcionam como satélites gravitando em torno da trama original. Outro exemplo é a série Heroes, um megasucesso da TV que conta com a seção Heroes Evolutions em seu website. Nela o espectador encontra diversas histórias paralelas e desdobramentos do enredo que enriquecem o seriado, mas que não inviabilizam o entendimento de quem só o assiste pela TV.
Marías, 52 anos, várias vezes premiado (Prêmio Primavera de Novela, Prêmio Nacional de Literatura Infantil y Juvenil, Prêmio de Literatura Juvenil Gran Angular), diz que sempre gostou de correr riscos e que a ideia de “El silencio se mueve” é revolucionar a literatura juvenil. Não duvido. As portas estão apenas começando a se abrir para a transmídia e, com a explosão das redes de relacionamento, as possibilidades de sucesso são evidentes. Se o livro é bom, expandi-lo também será bom.
Kelly de Souza - é jornalista colaboradora da Revista da Cultura e Blog da Cultura. Compulsiva por literatura, chocolate e escrita - não necessariamente nessa ordem.

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