quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Processos de criação meta-autorais

Por Artur Matuck

Escrituras Mediáticas
Níveis de autoria no processo de criação artística


O conceito de Escrituras Mediáticas fundamenta-se numa perspectiva do processo de autoria desenvolvido em muitas obras contemporâneas de arte e tecnologia. Este conceito desdobra o processo de criação em estágios distintos e sucessivos: o primeiro, chamado meta-texto, atua como gerador, determinador do segundo, o textopropriamente dito, que atualiza o metatexto, realizando o projeto enunciado.
Propõe-se, assim, uma metodologia de criação e produção mediática. No primeiro nível, estabelece-se um metadiscurso, uma espécie de partitura mediática, que determina, planeja e direciona as interfaces operacionais entre o criador, seus processos escriturais, seus instrumentos, programas e eventuais colaboradores.
Segundo este protocolo, os trabalhos a serem realizados seguirão diretrizes pré-determinadas de ordem processual, conceitual, tecnológica e computacional, que constituem o metatexto. O metatexto tem portanto a função de orientar atos performáticos de expressão estética, procedimentos de organização de informações, processos generativos de sequências significantes ou sistemas de produção co-autorada, ou mesmo o meta-texto pode orientar a produção de outros meta-textos que por sua vez desencadearão processos escriturais.
Esta conceituação do processo criativo busca evidenciar um estágio implícito do pensamento, o esquema estruturador de uma obra, tornando-o explícito. Ao mesmo tempo, o metatexto constitui-se num texto autônomo com linguagem, estilo, grafia e estética próprias ainda em processo embrionário enquanto forma reconhecida no universo estético. Ainda assim o meta-texto poderá ser considerado como um elemento do discurso final em sua totalidade.
Neste processo autoral, um autor atua inicialmente como meta-autor, concebendo e escrevendo o metatexto em sua forma definitiva. Posteriormente, como artista procedimental, o mesmo autor ou os co-autores produzem o trabalho, isto é, escrevem o texto, segundo o projeto metatextual.
As diretrizes do projeto meta-textual, no entanto, não tem que necessariamente propor restrições: as estratégias processuais sugerem, orientam ou modificam os fluxos criativos, mas apenas parcialmente podem pré-determinar conteúdos finais, desde que estes estão sujeitos à contingência de situações escriturais.
É previsível ainda que durante o processo de se produzir o texto, de se atualizar as diretrizes previstas no metatexto, a prática atue reflexivamente, provocando uma possível reelaboração do metatexto. Neste caso ocorre um processo de realimentação que enriquece e aprimora o metatexto original que pode incorporar processos antes imprevistos e mesmo imprevisíveis.

Além disso, podem ser identificados diversos níveis de meta-textos, textos, e pós-textos, que se desdobram em níveis hierárquicos na gradativa construção das informações. São escrituras que determinam novas escrituras, planejamentos que orientam planejamentos mais detalhados, processos que sugerem procedimentos de criação individual ou coletiva, que são ao final editados, revisados, preparados para serem exibidos, divulgados em conferências, exposições, concertos, publicações impressas, CD-Roms ou sítios computacionais.

Uma teoria para a criação artística na era digital

Criação mediática em dois estágios: metatexto e texto
o primeiro, metatexto, atua como gerador, do segundo, o texto

metatexto projeto
nível de pré-criação que determina, planeja e direciona
as interfaces operacionais entre o criador,
e processos escriturais, instrumentos e programas

metatexto planejamento
diretrizes pré-determinadas de ordem
processual, conceitual, tecnológica e computacional

metatexto função
orientar atos de expressão estética,
procedimentos de organização de informações
processos generativos de sequências significantes

metatexto estética
(meta) texto autônomo com linguagem, estilo, grafia e estética próprias
um possível elemento do discurso final em sua totalidade

Esta conceituação do processo criativo evidencia estágio implícito
do pensamento, o esquema estruturador da obra, tornando-o explícito

o autor meta-autor
concebe e enuncia o metatexto em sua forma definitiva

o autor /co-autores artistas procedimentais
enunciam o trabalho segundo diretrizes do metatexto

o autor artista processual
avalia o processo criativo

o autor meta-autor
reelabora o metatexto original

Intertextos

Abstrato analítico e concreto sensível

"A questão fundamental para uma reflexão sobre objetos de arte e para sua análise adequada, consiste em dispor de alguns métodos ... de modo a formular de novo e explicar, a níveis mais formais ou mais abstratos, o material que se oferece à experiência, desprendendo-se progressivamente do sensível, em quanto este se dá de uma maneira imediata em sua qualidade. Desta maneira um modelo rítmico pode servir tanto para a dimensão sonora de um filme como para sua dimensão visual.
Poder-se-ia pensar ... que a realidade autêntica de uma obra fílmica ou de qualquer outro tipo, está precisamente neste nível mais abstrato (de hipótese formal construtiva) e que sua manifestação concreta seja não essencial.
Mas precisamente, o sensível, enquanto se organiza em percepção e em semiose, enquanto é captado como um complexo estruturado de elementos, somente pode justificar-se fora do sensível ou de sua pura qualidade, por meio de referência a modelos.
Assim pois, captamos identidades e diferenças, estabelecemos analogias e oposições, instituímos uma fina rede de relações e de correlações no âmbito do material sensível, e somente desta maneira este é para nós verdadeiramente sensível."
Emilio Garroni, Proyecto de Semiótica, Editorial Gustavo Gilli, Barcelona, 1973

Searle sobre a língua e o mundo

"Deve-se admitir uma invenção da língua e do mundo, invenção paralela que, apesar de sua opacidade, as faz se interpenetrar e designar reciprocamente. Autonomia da língua. Autonomia daquilo que a língua tenta designar. Em sua interação, afirma-se a possibilidade dessa disjunção e, portanto, a possibilidade quase infinita de re-composição e de intervenção."
Lucien Sfez, Crítica da Comunicação, Edições Loyola, São Paulo, 1994


O signo como diferença

"No breve escrito De organo sive arte magna cogitandi, de Leibniz, procurando poucos pensamentos a partir da combinatória dos quais todos os outros possam ser derivados, como acontece com os números, estabelece a matriz combinatória essencial na oposição entre Deus e o nada, a presença e a ausência. Desta dialética elementar é maravilhosa similitude o cálculo binário."
Umberto Eco, Signo, Enciclopédia Einaudi, Imprensa Nacional, Lisboa, 1994


Artur Matuck é professor da pós-graduação da Escola de Comunicações e Artes da USP e um dos organizadores do 8º Simpósio Internacional de Artemídia e Cultura Digital - In-Pacto "Processos Criativos nas Artes: O Tradicional e o Contemporâneo".

Fonte: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br

0 comentários:

Postar um comentário